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Leio e releio partes de um livro intitulado “Pierre Guérin, sur les pas de Freinet”, isto porque, nestes últimos
tempos, em que o sol aquece um pouco mais, o vento amansou, o tempo se mostra
mais tranquilo e os dias, embora contando as mesmas horas, se tornam mais
longos, tem-me apetecido dar um outro rumo a um livro por mim escrito e já publicado,*
para torná-lo num outro, rejuvenescido no seu conteúdo e empurrado, se
possível, para uma nova edição, “actualizada e aumentada”, como é uso dizer.
Lembrando Freinet, lembro-me sempre
do João e da Mafalda, os meus dois filhos, ao mesmo tempo que me empurro muitos
anos para trás, quando serpenteávamos juntos os Alpes Marítimos franceses, à
descoberta dos espaços por onde aquele professor francês ensaiou a sua
pedagogia: a escola de Le Bar-sur-Loup [a sua primeira escola], a de Saint Paul
[onde é exonerado do serviço público] e depois a sua escola privada, também em
Vence. São memórias que me levam a olhá-los na sua pequenez, ainda tão crianças,
e recordar as brincadeiras que por vezes tínhamos.
Agora, tão distante desse tempo,
parece que todos perdemos o prazer de brincar — Esta coisa de ser adulto é,
muitas das vezes, uma chatice!
Apetecia-me brincar agora com eles...
saltar por cima das mesas, correr à volta das cadeiras da esplanada onde
escrevo, cairmos uns por cima dos outros, despejar-lhes até água por cima. E se
o empregado resmungasse, paciência: chapinávamo-lo com Coca Cola, que é mais
pegajosa e custa mais a limpar. Apetecia-me subir com eles para cima da escada
frente a mim, e, empoleirados nela, pintarmos o céu com todas as cores do arco-íris,
mais a cor do mar, a cor do pôr-do-sol, mesmo quando noite…, a cor da esperança,
da alegria, da amizade, do amor…, a cor de alguns lábios, de alguns olhos…, ou de
um sorriso até, daquelas crianças que nunca viram os pais sorrirem-lhes. Cada
um pintava como queria, com pincéis de formas e tamanhos diferentes, com as
mãos ou mesmo com a ponta do nariz — para isso, teríamos de contar mentiras,
muitas mentiras como o Pinóquio, para facilitar a pintura—. Podíamos gastar a
tinta que nos apetecesse gastar. Só não podíamos apagar o que decidíssemos
pintar!, para aprendermos que, na vida, o que fazemos não pode ser mais
apagado. Pode ser reorganizado..., modificado, … Apagado não!
Chegados a Vence, frente à escola
privada de Freinet, o João, vendo-me tocar mais do que uma vez na campainha da
porta, sem que alguém atendesse, pergunta-me:
— Pai, quando é que o freguês vem?
Ainda hoje nos rimos com ele, pouco importando as memórias que ele guarda deste episódio. E ele ri-se connosco. Para ele, Freinet ou freguês tanto dava... Para nós, pela sua afetividade, é uma troca que, vinda do passado, mantemos presente: faz parte de nós. Queremo-la, enquanto vivermos, inalterável. Não a queremos, jamais, apagada!
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