Os alunos não reprovam, ficam retidos, ouço dizer, ironicamente, desde que, nos inícios dos anos noventa, a palavra reprovação deu lugar a retenção em decretos e despachos, sem que, daqui, resultassem outros efeitos na progressão dos alunos, que passaram a ser retidos em vez de reprovados, no que foi entendido, por muitos, como apenas uma questão de semântica. E, no entanto, entre reprovação e retenção há uma distância enorme. A reprovação tem subjacente um juízo de valor que a retenção não tem. Quando reprovo alguém estou a dizer: O que fizeste é reprovável, isso não se faz; isto está errado, vai para o teu lugar e volta ao princípio.
Imagine-se,
por exemplo, que decido viajar do Porto até Lisboa. Embarco no “Intercidades”
e, ali pela região de Coimbra, a linha está interrompida. Fico então retido, à
espera que a via seja desimpedida, ou que me seja dada alternativa para
prosseguir a viagem. Compete à CP [Caminhos de ferro portugueses] fazer a avaliação.
E, na avaliação que fizerem, de certeza, não lhes passará pela cabeça fazerem-me
regressar ao Porto, para iniciar de novo a viagem: fico retido apenas o tempo
necessário à resolução do problema. Mas, na reprovação, a alternativa é
voltar ao princípio, ponto!
Retenção não
é reprovação. E só é reprovação porque, desde início, se viu reduzida a um conjunto de medidas puramente administrativas e burocráticas, com "planos de recuperação" que, rapidamente, se integraram num processo de legitimação da reprovação!
Porque, sejamos claros, não há plano de recuperação que recupere, na recta
final do ano escolar [Por isso é chamado também de retenção, por
muito boa gente]. Neste sentido, um plano de recuperação
só será legítimo quando não tiver data fixa, num calendário, para acontecer,
quando me for permitido “parar” sempre que a dificuldade se fizer sentir: “parar” [reter
naquele conteúdo] porque algo acontece que não deixa avançar
no caminho. Então avalio, e convoco os apoios e recursos necessários se o
desimpedimento da via for coisa que não sei fazer sozinho.
É aqui que
tudo falha. Porque planos de recuperação, a acontecerem ali pela páscoa,
apenas dão para confirmar o óbvio, reduzindo a pedagogia a um mero
acto administrativo. E, num excesso burocrático, tudo se conjuga para que não
se resolva problema nenhum: fazem-se diagnósticos e (pr)escrevem-se medidas,
em impressos pronto-a-vestir, num processo em que a forma prevalece sobre o
conteúdo. E se o problema não ficar resolvido, que fique, pelo menos, bem
arquivado, colocando entre ele e nós uma distância que não incomode!
Sem comentários:
Enviar um comentário