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Reprovação, sim ou não?
Colocada esta pergunta num
inquérito de rua, atrevo-me a dizer que o sim ganha por goleada. Porquê? Porque
«a favor das reprovações basta o senso comum e a ignorância».*
O senso comum refugia-se na
tradição, na tradição que sustenta a escola tal como tem sido vivida pela
generalidade dos que têm a sorte ou o azar de a viver. E pese embora já não ser
aquilo que era, a tradição continua a ter muita força, sobretudo quando de mãos
dadas com a ignorância que não questiona, ou faz apenas a pergunta para a qual
não pode haver outra resposta.
– “No fim do ano, um aluno não
sabe. Passa ou não passa?” – Pergunta Rui Rio, em linha com a observação de uma
deputada do seu partido [Ver figura]. Esperava outra pergunta de alguém com a
ambição de chefiar o governo do meu país, por exemplo: no fim do ano, um aluno
não sabe. Que é preciso fazer para que não reprove?
A questão não está no sim ou não
à reprovação, mas no que fazer para que a reprovação acabe. Mas para isso é
preciso “pensar fora da caixa” – como está na moda dizer –, estar disponível
para olhar o mundo de fora dele, disposto, também, a olhar outros mundos
possíveis.
O aluno passa ou não passa? Não,
não passa. O que passa são os anos por ele! Cabe-nos garantir que no decurso do
tempo que por ele passa, ele aprenda o que tem para aprender.
Vejo, nesta matéria, a escola a
funcionar como um Jogo da Glória: caímos na casa do inferno e voltamos ao ponto
de partida. Aluno que reprova não fica apenas retido, volta atrás no percurso
para fazer tudo de novo, tenha aprendido alguma coisa ou coisa nenhuma, e sem
ter quem lhe garanta não voltar a cair na casa do inferno. Porque a garantia do
sucesso está, por tradição, apenas nas mãos do aluno – afinal, é nas suas mãos
que estão os dados que fazem andar os pinos. E isso é, a cada nova partida, um
inferno.
Como qualquer professor, também
me perguntei: reprovo ou não este aluno? Até que me ouvi a dizer: vou
reprová-lo para quê? Trabalhava numa escola de lugar único, nos longínquos anos
setenta: um professor quatro classes. E ao ensaiar a conversa a ter com aquela
criança [da 1ª classe], dou-me conta de que iríamos viver juntos outra vez, quer ela reprovasse quer não. Não
tinha como fazer dela o problema de outro. Então, olhando-a uma vez mais,
ouço-a a juntar as letras muito devagarinho, a perder a memória do que tinha
lido antes. Faltava-lhe automatismos na leitura, é certo, mas,
surpreendentemente [talvez porque mais atenta ao que me ouvia dizer aos "grandes" do que à tarefa que tinha em mãos], sabia o que alguns da 4ª classe não sabiam sobre Viriato e
as lutas que este travou com os romanos, que D. Afonso Henriques foi o 1º rei de
Portugal, que o rio que passa em Chaves é o Tâmega, que o comboio passava por
Vidago, Vila Pouca de Aguiar e terminava na Régua. E dei por mim a pensar que a
dificuldade dela talvez fosse a minha dificuldade em me organizar no meio de todos aqueles programas, que naquelas condições a divisão do programa por
anos de escolaridade, por vezes, era mais empecilho do que ajuda. Então [não sem ajuda] procurei olhar os quatro programas como se fossem um só, na procura da ideia de um programa
para cumprir em quatro anos. A esta aposta, o senso comum, que se refugia no
conhecimento que lhe chega pela tradição, chamaria de “via verde” do 1º ao 4º, motivada por interesses ideológicos. São questões ideológicas que questionam a reprovação, como efeito na avaliação dos alunos? Também são. Foi a ideologia que me levou a questioná-la? Não. A minha escolha foi, em primeiro lugar, pragmática. Até porque, se fosse a ideologia a comandar, não chegaria sequer à pergunta; passava o aluno e pronto, e teria criado, de facto, uma autêntica via verde. E não teria reprovado um dos alunos da 4ª classe!**
Pensar a aprendizagem por ciclos de aprendizagem, para além do 1º ciclo, não é tarefa fácil.*** E, pela manifestação de vontades a que assisto, não vislumbro a possibilidade de procurar alternativas nos sistemas educativos que, parece, resolveram ou estão em vias de resolver o problema. Continuo a ouvir dizer que Portugal não é a Finlândia ou um qualquer outro país mais bem posicionado nestes campeonatos****. E não é de facto: nesses países vivem os que lá vivem; não são portugueses os que por lá moram; como não são portugueses os seus políticos e, já agora, os seus professores.
* Ana Benavente, usa esta expressão, referindo-se aos exames nacionais.
Daniel Lousada
____________* Ana Benavente, usa esta expressão, referindo-se aos exames nacionais.
** Nesse tempo ainda estavam em
vigor os exames da 4ª Classe e não o propus a exame.
***A monodocência é de grande ajuda neste caso. Daqui a minha estranheza perante tanta hesitação na criação de um 1º Ciclo de seis anos.
**** Acho que a questão não passa por olhar unicamente quem está mais bem posicionado neste ou naquele ranking, mas por olhar as respostas que os diferentes sistemas propõem para responder aos problemas com que se vão confrontando. Até porque, nestas coisas dos campeonatos, a história tem-nos ensinado que ninguém é campeão eternamente. As circunstâncias mudam e ou as instituições respondem à mudança ou ... ...
***A monodocência é de grande ajuda neste caso. Daqui a minha estranheza perante tanta hesitação na criação de um 1º Ciclo de seis anos.
**** Acho que a questão não passa por olhar unicamente quem está mais bem posicionado neste ou naquele ranking, mas por olhar as respostas que os diferentes sistemas propõem para responder aos problemas com que se vão confrontando. Até porque, nestas coisas dos campeonatos, a história tem-nos ensinado que ninguém é campeão eternamente. As circunstâncias mudam e ou as instituições respondem à mudança ou ... ...